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É fato que a velocidade da revolução tecnológica ora em curso ultrapassa a dos processos políticos, o que faz com que os eleitores percam o controle do próprio voto. Pensando nisso, este e o próximo artigo desta coluna procuram extrair fragmentos do pensamento de dois autores em grande evidência no momento, Daniel Kahneman e Yuval Noah Harari, ambos nascidos em Israel, como forma de entender melhor a relação entre tecnologia e poder e, por consequência, os riscos que corre a democracia no século XXI.
O primeiro deles é Daniel Kahneman, psicólogo, professor de Princeton (USA), prêmio Nobel de Economia por sua contribuição na área de economia comportamental, autor do livro Rápido e devagar - Duas Formas de Pensar. Desde já, cabe destacar que as duas formas de pensar do título do livro representam o cerne da sua teoria. O nosso cérebro se comporta como existissem dois sistemas separados: o primeiro (1) opera de forma rápida, intuitiva e emocional (impulso); o segundo (2) opera de forma mais lenta, exige concentração e lógica (razão).
Kahneman parte do princípio de que, assim como a visão, a memória e o pensamento de modo geral estão sujeitos a ilusões. Uma delas é a ilusão de lembrança. Num experimento citado por ele, são inventados três nomes de pessoas inexistentes. Se, depois de alguns dias, for pedido para você apontar uma celebridade numa lista onde consta um desses três nomes, é provável que você escolha esse nome, embora essa pessoa não exista, porque ele ficou registrado na sua memória recente.
Outro exemplo: "Em uma pesquisa por telefone com 300 pessoas da terceira idade, 60% apoiam o presidente". Se tivesse que resumir esta mensagem em três palavras, você escreveria "velhos apoiam presidente". Tais palavras são a essência da história. Os detalhes omitidos da pesquisa, feita por telefone, o pequeno tamanho da amostra, não apresentam interesse. Você se concentra mais na notícia do que na fonte da notícia. O disparo de milhares de "fake news" através de robôs apoia-se numa tendência do nosso sistema 1, de confiar em vez de duvidar.
Você não precisa repetir a afirmação inteira de um fato ou ideia para lhe dar uma aparência de verdade. Se a informação me parecesse familiar, eu presumia que provavelmente era verdadeira. Uma maneira de fazer as pessoas acreditarem em notícias falsas é a repetição frequente, pois a familiaridade não é facilmente distinguível da verdade. Disso se extrai a conhecida frase de Goebbels (ministro da propaganda de Hitler): "Uma mentira contada mil vezes, vira verdade".
Geralmente, você esquece a grande maioria dos eventos, lembra apenas alguns acontecimentos extremos e atribui um peso totalmente desproporcional aos fatos recentes. Pense, por exemplo, nas últimas eleições. Quem sabe, nem lembre em quem votou. Tampouco recorda da gestão inteira do atual governo; talvez apenas do último ano. Isso explica porque, em ano de eleições, haja aumento dos gastos públicos. Os políticos confiam que a memória do povo é fraca.
As pessoas são presas fáceis de ilusões porque, se não conseguem lembrar a origem de uma afirmação, acabam por priorizar a sensação de algo familiar, verdadeiro, fácil ou bom. À soma dessas sensações Kahneman chamou de "conforto cognitivo". Considere o humor. Bom humor é sinal de que as coisas estão indo bem de modo geral, o ambiente está seguro e não há problema em manter a "guarda baixa". O sistema 1 predomina em nosso cérebro. Ao contrário, mau humor indica que as coisas não estão indo muito bem, pode haver alguma ameaça e vigilância se faz necessária. O sistema 2 entra em atividade.
A sensação de conforto cognitivo pode levar as pessoas a ficarem "preguiçosas", priorizando o pensamento rápido e sem esforço (sistema 1) ao invés das atividades mentais mais lentas, que exigem esforço e atenção (sistema 2). A impressão que eu tenho é de que isso está acontecendo em nosso país hoje. Senão, como explicar a passividade da população diante da atual situação de descalabro?